terça-feira, 25 de junho de 2013

Primeiro Capítulo: "Brasas ao Vento"


Nas paredes desbotadas e azuis, escorria pelos caminhos desta uma gota d’água, provida da chuva da noite anterior, ela corria junto à umidade e soltava-se rumo ao chão de terra que a absorvia. Seropédica era uma vila serena que expirava a natureza em seus ares. Os campos pela manhã abandonados à melancolia pareciam não se frutificar. Os pássaros cantavam, outros omitiam sua liberdade, nenhum estava morto. Seropédica acordara...
- Antônia, o café já está à mesa?
A escrava vira-se e em voz cansada responde-lhe:
- Oh, dona Mercedes, já está na mesa sim.
Mercedes, herdeira das terras de Seropédica, com um olhar vago, se desloca à sala-de-jantar. Senta-se na cadeira estofada com estampas lisas e revestida de veludo. Com cabelos penteados, face alva e olhos claros, esta nem concede à escrava uma palavra de boa fé.
Ao primeiro gole, Mercedes depara-se com um líquido muitíssimo quente, isso a faz repreender a escrava:
- Antônia! Sua crioula dos diabos, como me fizera algo tão infernal, faça o favor de... - num ímpeto de ira, o café acaba se espatifando no colo da senhora. - Sua preta! Olha o que me fizeste! Não serves para nada! Trate de me arrumar novas vestimentas.
E num gesto rápido, Mercedes dirigiu-se ao quarto para se limpar. Repara que, ao chegar no aposento, seu gato estava em devaneios sobre a penteadeira, o pelo liso e negro se roçava à beira do espelho. Mercedes o enxota, fazendo-o correr e se acomodar junto ao pé da cama. Com seus cabelos exímios, a filha do Conde Vicente senta-se à frente da enorme penteadeira, serra os olhos por instinto e leva as mãos aos fios negros e brilhantes, como os do gato, que estava a invejá-la.
Quando a escrava Antônia adentrara ao quarto, carregava consigo panos e vestimentas limpas e secas; Mercedes estava com a roupa de baixo. Um silêncio se fez durante a longa troca de olhares entre criada e senhora, e logo após Mercedes o rompe:
- Oh pretinha dos infernos! Será que é pedir demais para que você veja-me horrenda neste estado. Corra, ajude-me.
A negra encabulada em seu vestido maltrapilho apressa-se até Mercedes e se põe a umedecer os panos e limpá-la.
O primeiro toque entre as duas, depois de quatro anos de servidão, fez Mercedes arrepiar-se, talvez a água fria tenha lhe proporcionado isso.
Antônia sem ao menos pedir licença à dona, levanta-lhe a vestimenta de banho e começa a enxugá-la com as toalhas umedecidas. Mercedes pensava em chamar-lhe a atenção, porém sentia-se estranhamente bem com a escrava lhe tocando ao pé dos seios.
Antônia percebera que Mercedes voltava o pescoço para trás como se estivesse em começo de delírio. A escrava, com uma mão sobre o estômago da dona, iniciou a colocar a outra sobre o ombro dessa. Estes estavam nus e macios, sendo admirados pela coloração extremamente clara, com ares de pureza. Numa ação rápida e ao mesmo tempo revestida de impotência, Mercedes levanta-se e embebida de volúpia beija a escrava. Antônia, carregada de impulsos paradoxais, sem saber o que era certo ou errado, abre a boca pensando em relutar e dizer-lhe que não era bom que fizessem aquilo, porém, nem para isso teve forças, e numa saída violenta e acanhada, se pôs a correr quarto a fora.




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